A saúde mental é influenciada por diversos fatores, como ambiente, estilo de vida e genética. Mas o que muitos ainda não sabem é que a alimentação também desempenha um papel crucial nesse processo.
À medida que a ciência avança, descobrimos que a relação entre genética, nutrição e saúde mental é ainda mais intrincada do que imaginávamos.
A interação entre genes e nutrientes pode modular não apenas o nosso físico, mas também o nosso emocional, trazendo uma nova perspectiva sobre como cuidar da saúde mental por meio da alimentação.
Entendendo a Nutrigenética e a Nutrigenômica:
A nutrigenética e a nutrigenômica são dois campos da ciência que vêm revolucionando o modo como entendemos a relação entre o que comemos e a nossa saúde.
A nutrigenética é o estudo de como os genes individuais afetam a maneira como nosso corpo responde aos nutrientes. Ela se concentra em entender as variações genéticas que podem influenciar a digestão, absorção, metabolismo e excreção de nutrientes, oferecendo uma base para abordagens alimentares personalizadas.
O conceito de nutrigenética surgiu na década de 1970, mas ganhou destaque no final dos anos 1990 com o avanço do Projeto Genoma, que trouxe novas informações sobre a relação entre genes e nutrientes.
Com os testes genéticos é possível identificar polimorfismos (variações no DNA) que podem influenciar como o corpo processa os nutrientes. Esses dados permitem que profissionais de saúde personalizem a nutrição com base no perfil genético de cada indivíduo, garantindo uma abordagem alimentar que atenda às necessidades metabólicas e a saúde mental de cada pessoa.
Por outro lado, nutrigenômica examina como os nutrientes afetam a expressão dos genes. Esse campo estuda a influência dos alimentos na expressão de genes específicos, impactando diversos processos biológicos, incluindo aqueles relacionados à saúde mental.
O perfil da dieta que consumimos pode alterar a expressão de genes envolvidos na neuroinflamação e no metabolismo energético do cérebro, o que demonstra o poder da dieta na regulação da saúde mental e emocional.
Juntas, essas duas áreas oferecem uma visão poderosa de como a genética e a alimentação podem se complementar para otimizar a saúde, especialmente no contexto mental e emocional.
A Influência dos Genes no Comportamento Alimentar:
A genética também desempenha um papel importante no comportamento alimentar. Alguns genes específicos estão associados à forma como o corpo processa os nutrientes e regula o apetite, o que pode impactar no gerenciamento do peso e na saúde mental. Dois genes que têm recebido atenção por sua influência na obesidade e nos hábitos alimentares são o FTO e o MC4R.
O gene FTO está relacionado ao aumento da gordura corporal (adipogênese) e à regulação do apetite. Estudos mostram que pessoas com certas variantes de risco no gene FTO tendem a ter uma predisposição para consumir alimentos de alta densidade calórica. Além disso, esse gene pode impactar a produção e regulação de hormônios como a grelina (que estimula a fome), dificultando o controle do apetite e aumentando o risco de compulsão alimentar.
As estratégias nutricionais para indivíduos com variantes de risco no gene FTO incluem uma dieta rica em fibras, proteínas e gorduras saudáveis, além da manutenção de uma rotina alimentar com horários regulares, atividade física regular
Já o gene MC4R também está ligado ao controle do apetite e à escolha alimentar. Indivíduos com variantes de risco nesse gene podem ter maior inclinação para fome hedônica e hiperfagia (comer grandes quantidades), além de consumir alimentos mais calóricos e enfrentar dificuldades no controle da saciedade. Para essas pessoas, é importante estabelecer dieta que siga um padrão anti-inflamatório e evitar períodos prolongados em jejum.
Esses exemplos mostram como a genética pode influenciar diretamente o comportamento alimentar, impactando não somente no gerenciamento do peso, mas também no manejo do bem-estar mental.
Isso porque a alimentação descontrolada, os possíveis episódios de compulsão e o estresse relacionado à dieta podem afetar a saúde emocional e contribuir para o desenvolvimento de transtornos como ansiedade e depressão.
O Impacto do Ciclo Circadiano na Alimentação e Saúde Mental:
O ciclo circadiano, que é o relógio biológico que regula as funções fisiológicas ao longo do dia, também tem uma influência direta na saúde mental e na alimentação.
O gene CLOCK é um dos principais reguladores desse ciclo, e variações nesse gene podem afetar o ritmo natural do corpo, influenciando o sono, a produção de hormônios e os hábitos alimentares.
Pessoas com variações no gene CLOCK podem ter uma tendência a um ritmo circadiano alterado, como maior atividade à noite e dificuldade para dormir, o que pode levar a padrões alimentares noturnos desregulados.
Esses hábitos, por sua vez, impactam na produção de hormônios como a leptina e a grelina, que regulam a fome e a saciedade, resultando em maior adipogênese (acúmulo de gordura) e até dificuldade na perda de peso.
Além disso, a alteração do ritmo do sono, com o consequente desequilíbrio do ciclo circadiano, pode aumentar o risco de transtornos de humor, depressão, ansiedade e o comer compulsivo noturno.
Para mitigar esses efeitos, é possível adotar estratégias que ajudem a regular o ciclo circadiano, como realizar refeições em horários consistentes, priorizar dieta equilibrada à noite e seguir uma rotina de higiene do sono, priorizando a exposição à luz natural durante o dia e evitando luzes artificiais (como as telas) antes de dormir.
Estresse, Dopamina e o Gene COMT:
O estresse é outro fator que pode afetar significativamente tanto a saúde mental quanto a alimentação.
O gene COMT está relacionado à forma como o corpo processa as catecolaminas, neurotransmissores como a dopamina, adrenalina e noradrenalina, que têm papel crucial na regulação do humor, memória e resposta ao estresse.
Pessoas com variantes no gene COMT podem processar a dopamina de forma mais rápida ou lenta.
Aqueles que metabolizam a dopamina mais lentamente tendem a sentir os efeitos do estresse de forma mais intensa, o que pode aumentar a ansiedade e afetar negativamente os hábitos alimentares.
Por outro lado, pessoas que metabolizam a dopamina mais rapidamente podem ter dificuldades em atividades que requerem memória e concentração, o que pode afetar a produtividade e a estabilidade emocional.
Em ambos os casos, estratégias alimentares podem ajudar a regular a produção e os efeitos da dopamina. Alimentos ricos em triptofano (como nozes, sementes, banana e carnes magras) podem ajudar a melhorar o humor e a resiliência ao estresse, enquanto práticas como exercícios físicos e meditação podem complementar essas intervenções, melhorando o bem-estar geral.
Sendo assim, compreender a relação entre genética, alimentação e saúde mental é um passo importante para uma abordagem mais personalizada e eficaz no tratamento de transtornos mentais.
A nutrigenética e a nutrigenômica oferecem ferramentas poderosas para adaptar a alimentação às necessidades individuais, ajudando a melhorar o equilíbrio emocional e prevenir o desenvolvimento de transtornos mentais.
Ao levar em consideração fatores genéticos que influenciam o comportamento alimentar, o ciclo circadiano e a resposta ao estresse, é possível desenvolver estratégias nutricionais que promovam não só a saúde física, mas também o bem-estar mental.
Nutricionista, pós-graduada em Nutrigenética e Mentora DGLab